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Herdeiro que mora sozinho em imóvel pode ficar com o bem, decide STJ
Por Dulina Fernandes
Publicado em 11/12/2025 14:31
Brasil

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

 

Maria morreu e deixou três filhos. Durante 15 anos, ninguém abriu inventário, e Pedro, um dos filhos, ficou morando sozinho na casa que era de sua mãe, sem qualquer contestação. Pedro pode passar a ser dono desse imóvel, adquirindo a propriedade dele por usucapião? O STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem decidido que sim, desde que todos os requisitos legais estejam preenchidos.

A orientação aparece no Informativo 822 da Corte, publicado em agosto de 2024, e resume a posição firmada em precedentes recentes.

Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, contudo, ressaltam que o entendimento do STJ não cria um direito automático, ou seja, não quer dizer que qualquer pessoa que viva no imóvel quando ocorreu a morte do proprietário se torne automaticamente dono.

A modalidade de usucapião extraordinária, citada no informativo, exige comprovações específicas, como prazo mínimo de posse contínua (15 anos, podendo ser reduzido a dez se houver moradia ou melhorias no imóvel), ausência de oposição e comportamento de proprietário (chamado de animus domini).

O STJ afirma que "o herdeiro que tem a posse exclusiva do imóvel objeto de herança possui legitimidade e interesse na declaração de usucapião extraordinária em nome próprio". Ou seja, mesmo que o imóvel pertença a todos os herdeiros, isso não impede que um deles peça para ficar com ele sozinho, desde que cumpra os requisitos da usucapião.

Usucapião é um meio legal de adquirir a propriedade de um bem pela posse prolongada, ininterrupta e pacífica, agindo como se fosse o verdadeiro dono por um determinado período de tempo previsto em lei.

Esse processo reconhece a posse de quem cuida e utiliza o bem como se fosse seu, mesmo sem um documento formal de compra.

"É possível utilizar elementos testemunhais, mas precisam normalmente estar presentes documentos comprobatórios como o pagamento de IPTU, conta de luz, de água. No que se refere ao comportamento de proprietário, tem-se que observar o que o dono faz. Se conserva, limpa, paga, impede perecimento, impede invasão e se preocupa em estabelecer quais são as suas fronteiras", diz Lara Soares, advogada do Pinho Soares.

Um informativo é um tipo de publicação que reúne decisões importantes e consolidadas da Corte, mas não tem força vinculante, ou seja, não é de adoção obrigatória para outras partes ou órgãos.

Lara diz que o entendimento do STJ no Informativo 822 corrige uma interpretação comum nos tribunais, de extinguir ações de herdeiros antes da fase de produção de provas.

"É muito comum que se tenha extinção dos processos por falta de interesse processual, considerando que, como a pessoa já seria dona de parte daquele bem por ser herdeira, ela não poderia usucapi-lo. O que o STJ compreende é que não é pelo simples fato de o sujeito ser herdeiro que ele não pode ter a pretensão de usucapir. O coherdeiro pode ter a intenção de obter a declaração da usucapião em nome próprio se os requisitos da usucapião estiverem presentes", afirma.

Jaylton Lopes Jr, sócio do escritório Agi, Santa Cruz & Lopes Advocacia, diz que, na prática, a usucapião acontece quando o proprietário morre, os herdeiros demoram muito para abrir inventário e um deles fica na posse desde a morte até ao preenchimento de todos os requisitos exigidos.

O inventário é um procedimento legal para listar e formalizar todos os bens, direitos e dívidas de uma pessoa falecida, com o objetivo de transferir o patrimônio aos herdeiros. Esse processo pode ser judicial, quando há testamento, desacordo entre os herdeiros e menores de idade, ou extrajudicial (em cartório, por meio de partilha).

Ele é uma proteção ao patrimônio dos demais herdeiros que não estão na posse do bem, inclusive porque qualquer ação judicial, como pode ser o caso do inventário, interrompe o prazo da usucapião.

Jaylton diz, porém, que essa interrupção de prazo só acontece com apresentação de ação entre herdeiros, não se aplicando se quem está ocupando o imóvel é um terceiro não-herdeiro.
Para Lara Soares, a abertura do inventário acompanhada da citação do herdeiro que está na posse pode, mais do que interromper, inviabilizar a usucapião.

"No meu ponto de vista a ação de inventário é um modo de você se opor. Se o herdeiro que está ocupando o bem estiver citado e esse bem constituir patrimônio litigioso, existe uma oposição da qual ele tem conhecimento e sua posse não é mais inconteste, o que fulminaria a pretensão da usucapião", diz.
Jaylton também explica que a decisão de um herdeiro de ocupar o bem que herdará por direito antes da morte do proprietário não produz efeitos para fins de usucapião.

"É muito comum que um determinado herdeiro, por exemplo, um filho, fique num imóvel enquanto os pais ainda estão vivos. Esse filho não pode querer usucapir o bem, porque quando ele começou a posse dele, ainda que tenha sido há 15 anos, os pais deixaram ele morar lá. E se há mera tolerância ou permissão do proprietário de deixar a outra pessoa ficar no imóvel, essa pessoa que está no imóvel não tem um dos requisitos essenciais da usucapião, que é o ânimo de dono. Não basta você possuir, você precisa possuir como se dono fosse ou com a intenção de se tornar dono", afirma.

Quando se adquire um imóvel por usucapião não incidem alguns impostos como o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), porque a usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, e não uma transferência.
Diante disso, pode parecer vantajoso ajuizar uma ação de usucapião em vez de abrir um inventário, mas essa substituição é ilegal.

"Vou te dar um exemplo. Somos aqui três herdeiros. O nosso pai deixou um imóvel. Aí a gente fala o seguinte: ‘Olha, não vamos abrir inventário. Vamos nós três ajuizar uma ação de usucapião, dizendo que a gente está na posse há muito tempo, porque quando você adquire o direito pela usucapião, você não paga imposto’. Isso é fraude à lei. A ação correta para partilhar o patrimônio é o inventário", alerta Jaylton.

Ainda segundo o advogado, para além do inventário, outras alternativas para impedir a usucapião por alguém que está fazendo uso exclusivo de um bem herdado em conjunto podem ser a formalização de acordos internos ou uma ação de arbitramento de aluguel, processo judicial para fixar o valor de um aluguel quando não há acordo entre as partes.

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