Foto: Reprodução SBT News

Após a megaoperação considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro, com mais de 100 mortos, a equipe de jornalismo do SBT esteve nos Complexos da Penha e do Alemão para ouvir moradores que presenciaram a ação.
“No Brasil não existe pena de morte, não. Teve corpo com a cabeça decapitada, arrancaram até a perna. Parece que eles são treinados para subir na comunidade e matar negro pobre”, disse uma moradora, que subiu até a área de mata no alto da Penha para ajudar a retirar os corpos deixados após a operação.
Outro relato revela o desespero de famílias que dizem ter sido vítimas da violência policial, mesmo sem ligação com o crime organizado.
“A polícia invadiu minha casa, bateram na cara do meu filho e jogaram spray de pimenta. Olha o rosto da minha neta. Ela teve febre e acordou hoje com o olho todo inchado. Eu estava com crianças em casa, e eles invadiram mesmo assim. Não me respeitaram”, afirmou uma moradora.
Temendo pelas consequências psicológicas, outra mulher contou que a filha pequena presenciou as cenas de violência e ainda não conseguiu dormir.
“Eu não durmo, minha filha não dorme. Ainda tenho medo da polícia invadir minha casa. Nós só queremos justiça”, desabafou.
Moradores da região se uniram para ajudar famílias em situação mais delicada e prestar socorro aos feridos. Raull Santiago, líder de uma organização social no Complexo da Penha, afirmou que ainda pode haver mais corpos na mata.
“Eu vim ajudar os familiares a encontrarem os corpos. Vimos um barranco com marcas de sangue e encontramos vários corpos”, contou.
O SBT News entrou em contato com o governo do Rio de Janeiro para comentar os casos relatos, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.
Foto: José Lucena/The News2/Estadão Conteúdo

Investigação de fraude processual
O secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, afirmou nesta quarta-feira (29) que pediu a instauração de um inquérito para investigar quem participou da remoção de mais de 70 corpos em uma área de mata no Complexo da Penha por fraude processual. Segundo ele, "operaram uma mágica" ao retirarem roupas camufladas dos mortos, que depois foram expostos em uma praça da comunidade só de cueca.
"Esses indivíduos estavam na mata, equipados com roupas camufladas, coletes e armamentos. Agora, muitos deles surgem apenas de cueca ou short, sem qualquer equipamento, como se tivessem atravessado um portal e trocado de roupa. Temos imagens que mostram pessoas retirando esses criminosos da mata e os colocando em vias públicas, despindo-os", disse Curi.
O secretário não explicou, no entanto, o motivo para as forças de segurança não terem removido os corpos da área na terça-feira (28). Um balanço divulgado pelo governo do estado ontem contabilizava 64 mortos, incluindo 4 policiais. Até 13h desta quarta, 119 mortos deram entrada no Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto, segundo Curi.
Segundo informações da Defensoria Pública do estado, divulgadas às 11h15, o número de mortos na megaoperação chega a 132. Alguns corpos ainda não foram retirados pela Defesa Civil Estadual do Complexo da Penha.
"É importante destacar que, nos boletins de ocorrência, a polícia está classificando os mortos como 'opositores', ou seja, criminosos que cometeram tentativa de homicídio contra os nossos agentes. Nossos policiais estão sendo tratados como vítimas, e os mortos como autores dos crimes", afirmou Curi.
O inquérito para investigar possível fraude processual foi instaurado pela 22ª Delegacia de Polícia (Penha).
Nas redes sociais, o governador Cláudio Castro (PL) publicou um vídeo que comprovaria a "manipulação de corpos". Segundo ele, seria uma tentativa de "mudar a cena para culpar a polícia".
Megaoperação
A megaoperação das forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro, deflagrada na terça-feira (28), nos complexos da Penha e do Alemão, é considerada a mais letal da história fluminense.
A ação, batizada de Operação Contenção, teve como objetivo desarticular lideranças do Comando Vermelho que atuam na região.
Cerca de 2.500 policiais civis e militares cumpriram mandados de prisão e busca na região. Ao todo, 113 suspeitos foram presos e 118 armas apreendidas.
As forças de segurança encontraram forte resistência armada. Houve relatos de intensos tiroteios, barricadas incendiadas em vias expressas e até o uso de drones por criminosos para tentar impedir o avanço policial.
A ação superou em número de mortos as duas operações mais violentas anteriores: a do Jacarezinho, em maio de 2021, que deixou 28 mortos, e a da Vila Cruzeiro, em maio de 2022, com 24 mortes, ambas realizadas durante o governo de Cláudio Castro (PL).
Na madrugada desta quarta-feira (29), moradores dos complexos do Alemão e da Penha encontraram mais de 60 corpos na área de mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia. Os corpos, que não aparecem no balanço oficial divulgado pelo governo do estado, foram levados para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, no início da manhã.