Foto: Reprodução / UFPI
A Universidade Federal do Piauí (UFPI) tem se destacado nacionalmente por pesquisas pioneiras com células-tronco aplicadas à medicina veterinária. No Núcleo Integrado de Morfologia e Pesquisas com Células-tronco (NUPCelt), cientistas conseguiram regenerar por completo o tecido mamário de uma cabra acometida por mastite, inflamação grave que compromete a produção de leite e pode levar o animal à morte. A técnica experimental representa um avanço no tratamento de doenças graves em animais e tem potencial de transformar o setor agropecuário brasileiro.
Produzidas pelo próprio corpo dos animais, as células-tronco têm a capacidade de se transformar em diferentes tipos celulares e atuam como reguladoras do sistema imunológico. Com isso, estimulam o próprio organismo a recuperar tecidos lesionados por doenças articulares, ósseas, degenerativas e neurológicas.
As pesquisas são realizadas no NUPCelt, localizado no Centro de Ciências Agrárias da UFPI, sob a coordenação do professor Napoleão Martins Argôlo Neto. O núcleo é o único do Meio-Norte do Brasil com a finalidade de isolamento e caracterização de células-tronco mesenquimais a partir de diversos tecidos animais.
“Aqui, com uso de células-tronco, tivemos a reparação absoluta em glândula mamária na espécie caprina, com a reversão completa de glândulas fibrosadas, que haviam deixado de produzir leite e restabelecida a produção de leite apto ao consumo humano, sendo uma pesquisa muito promissora”, afirma Napoleão Argôlo.
Outros estudos em andamento investigam o uso de células-tronco na recuperação de tecidos renais afetados por insuficiência, bem como na regeneração de lesões neurológicas em animais. Segundo os pesquisadores, as terapias celulares representam uma alternativa eficaz quando os tratamentos convencionais deixam de surtir efeito.
Com capacidade de produção de até 35 milhões de células-tronco a cada 15 dias, o laboratório da UFPI também avança na validação da terapia para regeneração de tecidos ósseo, cartilaginoso, adiposo e de medula óssea.
Uma das características mais vantajosas do uso de células-tronco em animais é a ausência de rejeição. Isso ocorre porque as células mesenquimais não possuem proteínas que normalmente desencadeiam respostas imunológicas adversas, como a MHC II. Além disso, elas bloqueiam inflamações locais, favorecendo a integração ao organismo.
Nos últimos anos, o NUPCelt também passou a desenvolver estudos de bioengenharia tecidual, utilizando biomateriais derivados da flora regional, como goma de caju, buriti e mamona, associados às células-tronco. Esses materiais, impressos em formas tridimensionais, servem como suporte para o implante celular em órgãos como rins e ossos. O núcleo já obteve patentes de biocompostos, softwares e ferramentas de biossegurança, além de publicar dezenas de artigos científicos.
Tratamento autorizado e ainda inacessível para muitos
O uso de células-tronco em animais foi autorizado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária em 2020. A técnica vem sendo aplicada principalmente em cães e gatos, mas os custos elevados, que podem variar entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil por sessão, tornam o tratamento inacessível para a maioria da população.
Por isso, um dos objetivos do NUPCelt é popularizar a terapia, especialmente entre tutores de baixa renda. O núcleo mantém um projeto de extensão que atende gratuitamente animais abandonados ou resgatados pela ONG Associação Piauiense de Proteção e Amor aos Animais (Apipa).
Um dos casos acompanhados é o do gato Tigrão, de oito anos, atropelado e com graves dificuldades de locomoção. Após quatro sessões de aplicação de células-tronco, o animal apresentou melhora significativa.
Foto: Reprodução / UFPI

“O Tigrão tinha muita dificuldade de caminhar, praticamente arrastando as patas no chão. Na primeira dose, ele já estava mais atento, de pé. Ao chegar na quarta dose, ele já estava saltando de mesa em mesa, isso nos deixou emocionados.”, dizo professor Miguel Ferreira Cavalcante Filho, subcoordenador do Nupcelt e coordenador do projeto. “A célula-tronco é mediadora de reações imunológicas e assim ela ativa todo o sistema imunológico. É capaz até de estimular a produção de novas células do tecido agredido”, completa o professor.
Do laboratório ao mercado
Para levar a terapia celular ao mercado e ampliar seu alcance, os pesquisadores fundaram a startup NewHope BIOtech. A empresa busca financiamento para viabilizar a produção e distribuição das células, inclusive para outros grupos de pesquisa que não têm estrutura laboratorial própria.
Além disso, o laboratório da UFPI já fornece células-tronco para universidades e instituições privadas de pesquisa em outras regiões do país.
Histórico de inovação
Fundado em 2010, o NUPCelt reúne 15 pesquisadores permanentes de áreas como medicina veterinária, medicina humana, odontologia, engenharia biomédica e química. O núcleo também forma estudantes de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Foi no NUPCelt, por exemplo, que o professor Napoleão Argôlo isolou pela primeira vez no mundo células-tronco mesenquimais da medula óssea de um cateto, uma espécie de porco selvagem, durante seu pós-doutorado, em 2012. O feito consolidou a UFPI como referência internacional em estudos com células-tronco de animais silvestres.
Foto: Reprodução / UFPI
